Para melhor compreender a questão seja necessário realizar um breve contexto. Em maio de 2015 foi anunciado um plano de normas para que, até 2020 a União Europeia tenha um “Digital Single Market”, que cobre questões ligadas e marketing digital, Comércio Eletrônico e telecomunicações. Em 26 de Março de 2019 a diretiva foi aprovada.
A intenção deste Mercado Digital Único é remover restrições ou barreiras para que cidadãos da União Europeia tenham acesso a ferramentas e serviços, sem distinção ou de forma igualitária. Segundo o comitê responsável pela criação deste DSM, existem três objetivos ou pilares principais, que são: 1. Acesso a serviços e produtos online sem entraves; 2 Condições para redes e serviços digitais crescerem e prosperarem; 3 Crescimento da economia digital europeia.
Com base nessa pequena introdução, percebe-se que a diretiva sobre direitos autorais possui raízes em uma politica extremamente protecionista. Com isso em mente podemos prosseguir para analisar controverso Artigo 13.
Art. 13 Utilização de conteúdos protegidos por prestadores de serviços da sociedade da informação que armazenam e dão acesso a grandes quantidades de obras e outros conteúdos carregados pelos seus utilizadores
- Os prestadores de serviços da sociedade da informação que armazenam e fornecem ao público acesso a grandes obras ou outros conteúdos carregados pelos seus utilizadores devem, em cooperação com os titulares de direitos, tomar medidas para garantir o funcionamento dos acordos celebrados com os titulares de direitos para a utilização dos mesmos. as suas obras ou outro material protegido, ou para impedir a disponibilidade nos seus serviços de obras ou outro material identificado pelos titulares de direitos através da cooperação com os prestadores de serviços. Essas medidas, como a utilização de tecnologias eficazes de reconhecimento de conteúdos, devem ser adequadas e proporcionadas. Os prestadores de serviços devem fornecer aos titulares de direitos informações adequadas sobre o funcionamento e o desenvolvimento das medidas, bem como, quando pertinente, relatórios adequados sobre o reconhecimento e a utilização das obras e outro material protegido.
- Os Estados-Membros asseguram que os prestadores de serviços referidos no n.º 1 instaurem mecanismos de reclamação e de recurso à disposição dos utilizadores em caso de litígio quanto à aplicação das medidas a que se refere o n.º 1.
- Os Estados-Membros facilitarão, quando necessário, a cooperação entre os prestadores de serviços da sociedade da informação e os titulares de direitos, através do diálogo com as partes interessadas, para definir as melhores práticas, tais como tecnologias de reconhecimento de conteúdos adequadas e proporcionadas, tendo em conta, nomeadamente, a natureza dos serviços, a disponibilidade das tecnologias e a sua eficácia à luz dos desenvolvimentos tecnológicos.
A ideia deste artigo é que, plataformas que possibilitam o armazenamento de conteúdo para que o público em geral tenha acesso a obras ou outros conteúdos carregados por seus usuários, façam uma análise destes conteúdos para verificar se existe algo protegido por lei autoral, se existir, o detentor deste direito autoral tem que conceder a licença de uso e veiculação deste material, caso contrário a plataforma é obrigada a bloquear o conteúdo carregado pelo usuário.
Este conceito já existe é aplicado parcialmente por plataformas como o Youtube. Por exemplo, digamos que você faça um vídeo com uma musica de seu cantor ou cantora favorita, sem a autorização dele. Essa conduta é ilegal inclusive pela atual legislação brasileira, o que o artigo 13 tenta resolver é determinar de quem é a culpa por esse conteúdo, sem a devida licença outorgada, ter sido carregado: Sua que carregou (fez o upload) do vídeo ou do Youtube que permitiu que esse vídeo fosse carregado?
O Artigo 13 busca forçar que as plataformas sejam responsáveis por todo conteúdo protegido carregado de forma irregular por seus usuários. A questão que se mostra no horizonte é, como o Youtube vai fazer para que a responsabilidade dele seja transferida, repassada ou compartilhada com quem carregou o conteúdo, ou mesmo, qual medida de regresso o youtube adotará contra esse usuário.
Mostra-se óbvio que grandes empresas detentoras de muitas licenças e que fazem repasse de direito autoral querem a aprovação deste artigo 13, em contraposição, grandes plataformas como, Twitter, Facebook, Youtube, Wikipédia não querem ter que assumir essa responsabilidade e/ou investir em tecnologia (upload filters) para impedir que conteúdo sem licença seja carregado em suas plataformas.
“Upload Filtres” já existem e também já se mostraram ineficazes, seja bloqueando conteúdo permitido ou não bloqueando conteúdo protegido. Existem casos analisados pelo mercado onde vídeos de conteúdo educacional foram bloqueados pelo mecanismo do Youtube em razão de uma musica ou um trecho de um documentário ter sido exibido e creditado. Aqui, vale destacar que a Diretiva exclui conteúdo para fins educacionais destas discussões.
Ocorrer que ao pensarmos em plataformas como Youtube, Facebook, Twitter, Instagram, etc, a solução parece ser simples, apesar de depender de grande quantidade de investimento, o problema ocorre quando tratamos de plataformas de porte pequeno ou médio, como inúmeras plataformas onde profissionais como fotógrafos, designers gráficos, web designers ou mesmo Fashion designers compartilham seus trabalhos. As plataformas destes públicos são infinitamente menores que Youtube ou Twitter.
Certo que a questão do artigo 13 é extremamente nebulosa, uma vez que é uma legislação nova e sem precedentes, bem como, com a aprovação do Art. 13 pelo parlamento da União Europeia, os países membros terão um prazo de 2 anos para adequar suas normas internas para que o artigo 13 seja vigente em seus respectivos países.
Ao nosso ver, com a o artigo 13 haverá uma redução na liberdade de expressão, criadores independentes, em especial, sofrerão significativamente. Além disso, existe consenso que esta lei aumentará o número de sistema de vigilância e controle automatizados, o que pode ferir a GRPD (General Data Protection Regulation) ou mesmo a LGPD (lei geral de proteção de dados) brasileira.
Entendemos que para os brasileiros o artigo 13 pode ser sim um divisor de águas para aquelas pessoas que dependem de realizar uploads em plataformas digitais para compartilhamento de conteúdo. Atualmente muitos já são prejudicados pelos sistemas (falho) de analise de licença e conteúdo sensível, com este artigo o sistema deve se tornas ainda mais severo. Além disso, outros dois cenários podem surgir, num deles os conteúdos criados fora da União Europeia não serão acessados ou vistos nos países membros, reduzindo assim o número de pessoas atingidas, outra questão é na possibilidade de os criadores de conteúdos serem taxados diretamente pelo upload tido como irregular.
Outra questão a ser levanta é quanto a possibilidade de uma diretiva como esta ser incorporada ao ordenamento brasileiro, tendo em vista a correlação da GRPD e a LGPD. Hoje não temos como afirmar, mas acreditamos que sim, uma norma semelhante poderá ser adotada no Brasil, no entanto cremos que ainda vai demorar.
Fato é que devemos aguardar como os países membros da União Europeia se posicionarão quanto a essa diretiva e se irão adaptar suas legislações.