Falsos Contratos Coletivos no Direito à Saúde: o que são e por que representam um risco ao consumidor
A contratação de planos de saúde por meio de “contratos coletivos por adesão” tem crescido significativamente nos últimos anos. Embora, em tese, sejam uma alternativa viável aos planos individuais, muitos desses contratos escondem uma prática abusiva já identificada por órgãos de defesa do consumidor e pelo Poder Judiciário: os chamados falsos contratos coletivos.
O que são falsos contratos coletivos?
São contratos formalmente classificados como coletivos empresariais ou por adesão, mas que não possuem vínculo real e legítimo entre o beneficiário e a pessoa jurídica contratante, seja uma empresa, sindicato ou associação.
Na prática, o consumidor adere a um plano por meio de uma entidade criada apenas para viabilizar a contratação, sem qualquer representatividade ou finalidade distinta da comercialização do plano de saúde. Trata-se de uma simulação contratual, cujo principal objetivo é afastar a aplicação das normas protetivas dos planos individuais, como o controle de reajuste pela ANS.
Por que essa prática é problemática?
A regulamentação da Lei nº 9.656/98, que rege os planos de saúde, estabelece regras mais rígidas para planos individuais, incluindo:
- Controle de reajustes anuais pela ANS;
- Vedação à rescisão unilateral imotivada por parte da operadora.
Já os contratos coletivos — inclusive os por adesão — não estão sujeitos ao mesmo controle, permitindo reajustes livres e rescisões unilaterais com aviso prévio de 60 dias (Resolução Normativa ANS nº 195/2009).
Essa assimetria de tratamento regulatório favorece práticas abusivas, gerando grande insegurança jurídica e financeira ao consumidor, especialmente nos momentos em que mais precisa de atendimento médico.
O que diz a jurisprudência?
Diversos tribunais têm reconhecido a prática como abusiva e declarado a recaracterização dos contratos como individuais. Destaca-se:
“É nulo o contrato coletivo de plano de saúde que se mostra, na realidade, individual, com a finalidade exclusiva de burlar a regulação legal aplicável, especialmente quanto aos reajustes e rescisões unilaterais.”
(TJSP, Apelação Cível nº 1002059-58.2018.8.26.0011, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 30/08/2019)
“A inexistência de vínculo associativo legítimo entre o consumidor e a entidade intermediadora do plano de saúde descaracteriza a natureza coletiva do contrato, atraindo a incidência das regras dos contratos individuais.”
(TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.17.090946-7/001, Rel. Des. Alberto Henrique, j. 24/06/2020)
O que fazer?
- Ao contratar um plano coletivo por adesão, verifique a existência e finalidade da associação ou entidade intermediadora;
- Solicite documentos que comprovem a legitimidade do vínculo;
Na prática, o advogado pode atuar judicialmente para obter o reconhecimento da nulidade parcial do contrato, demonstrando que, embora formalmente coletivo, trata-se de um plano individual disfarçado, o que atrai a aplicação das normas mais protetivas da legislação. Também é possível impugnar reajustes considerados abusivos, especialmente quando não há critérios objetivos ou respaldo legal. Além disso, o profissional pode requerer medidas liminares para impedir a rescisão indevida do contrato ou garantir a continuidade da cobertura, sobretudo em casos de tratamento médico em curso.
Conclusão
O acesso à saúde suplementar deve respeitar os princípios da boa-fé, da transparência e da proteção do consumidor (art. 4º e 6º do CDC). A criação de estruturas artificiais para burlar a regulação fere diretamente esses princípios.
Cabe ao Judiciário, à ANS e aos profissionais do direito atuarem de forma proativa para coibir a prática dos falsos contratos coletivos, assegurando efetividade ao direito à saúde — especialmente em contextos de vulnerabilidade.